Capítulo 5- parte 2
A madrugada chegou com uma brisa fria e o som constante dos grilos. A fazenda, agora envolta por sombras, ainda guardava murmúrios de conversas, passos leves pelo corredor de madeira e o ranger sutil das portas se fechando. Estrela ficou acordada por muito tempo, sentada na cama de solteiro encostada à parede do quarto que dividia com outras convidadas. As luzes apagadas não diminuíam o calor que sentia por dentro. Seu coração ainda batia acelerado pela presença de Dante, pelas palavras ditas e pelas que ficaram presas.
Em outro quarto, Dante se deitou ao lado de Júlia. Ela adormeceu rapidamente, exausta. Léo dormia no colchão improvisado no chão. Dante, no entanto, encarava o teto. Pensava em muitas coisas: na infância dura com um pai ausente, nas traições que presenciou, nos erros que repetiu... E no rosto de Estrela, iluminado pela luz dourada do entardecer.
“Não posso”, ele repetia para si mesmo. Mas havia algo que queria, mesmo que não ousasse dizer em voz alta.
Na manhã seguinte, o sol apareceu tímido. A névoa cobria parte dos campos e o cheiro de café fresco já invadia a casa principal. Patrícia, animada, organizava um café da manhã reforçado. Pães caseiros, frutas, bolos, queijo fresco. Estava feliz por reunir os amigos na fazenda, e seu entusiasmo era contagiante.
Estrela desceu vestindo um vestido leve de algodão, os cabelos presos de forma despretensiosa. Havia algo mais sereno em seu semblante. Dante já estava lá, ajudando Léo com uma fatia de bolo. Quando a viu, desviou o olhar por reflexo. Estavam ambos evitando o que sentiam, mas a atmosfera entre eles não passava despercebida. Nem mesmo por Júlia, que observava de longe com uma expressão difícil de decifrar.
Durante o café, os convidados fizeram planos para o dia: passeio a cavalo, trilha na mata, pescaria no lago. Júlia decidiu participar do passeio com Léo. Dante, alegando dor de cabeça, ficou. Estrela, sentindo que precisava de um tempo sozinha, foi caminhar entre os eucaliptos atrás da casa. Mas o destino, como sempre, tinha outros planos.
Ao contornar uma cerca para fotografar flores silvestres, ouviu passos atrás de si.
— A trilha é por aqui? — Era Dante, com as mãos nos bolsos e o mesmo sorriso de ontem, meio tímido, meio confuso.
— Não, mas é mais bonito deste lado. — respondeu, tentando não transparecer a alegria que sentiu ao vê-lo.
Caminharam em silêncio por alguns minutos. O som das folhas secas sob os pés e o canto dos pássaros preenchia o espaço entre as palavras não ditas. Pararam sob uma árvore onde o vento balançava os galhos suavemente. Dante respirou fundo.
— Você me faz pensar em coisas que evitei a vida inteira — disse ele, sem olhar diretamente para ela.
— Eu? — Estrela perguntou, surpresa.
— É... tipo o que é amar de verdade, sem medo. O que é escolher alguém, mesmo quando o passado inteiro grita que você não vai conseguir.
Ela não respondeu. Só ficou ali, olhando para ele, o vento soprando mechas de cabelo em seu rosto.
— Quando Léo nasceu, eu jurei que não repetiria os erros do meu pai. E jurei que seria um homem diferente com Júlia. Tentei. Ainda tento. Mas às vezes me pergunto se o certo é continuar em silêncio só porque parece o mais correto.
Estrela se aproximou um passo. Não havia promessas, nem confissões. Apenas presença. Apenas verdade.
— Às vezes o silêncio dói mais que a verdade — disse ela, e então abaixou o olhar. — Mas eu não quero ser mais um erro na sua história.
Ele estendeu a mão, mas não a tocou. O gesto ficou suspenso entre os dois como um ponto de interrogação.
Ao longe, ouviram o som de risos e vozes vindo da trilha. O grupo se aproximava. Estavam prestes a serem vistos. Dante deu um passo para trás. Estrela ajeitou o vestido, como quem veste uma armadura.
O momento passou.